Os povos indígenas e povos e comunidades tradicionais (PI-PCT) tem um papel fundamental na manutenção do equilíbrio ecológico. Por utilizarem as espécies de forma sustentável, conservando a floresta “em pé”, esses povos e comunidades são considerados guardiões da biodiversidade. Aperfeiçoadas ao longo de séculos, as práticas dos PI-PCT – como agricultura rotativa, queimadas controladas e técnicas de regeneração florestal – promovem a conservação da biodiversidade.
Amazônia. Foto de José Sabino
Pesquisas recentes em arqueologia, botânica e ecologia identificaram que a paisagem amazônica foi influenciada pelas atividades dos povos indígenas. Contrariando a ideia de “floresta virgem”, essas pesquisas têm mostrado que a distribuição das espécies na Amazônia é o resultado do manejo e domesticação de plantas utilizadas na alimentação, como a castanha-do-brasil, o inajá, o murumuru, o bacupari, a bacaba, o cupuaçu, o cacau, dentre outras. Os pesquisadores verificaram que as espécies domesticadas ocorrem de forma mais frequente nas proximidades de sítios arqueológicos, indicando que os povos indígenas priorizavam essas espécies. Áreas antes consideradas intocadas são, na verdade, "florestas culturais" ou "florestas antrópicas" moldadas pelos povos ancestrais.
Saiba mais:
Persistent effects of
pre-Columbian plant domestication on Amazonian forest composition
The domestication of
Amazonia before European conquest. Proc. R Soc. B 282, e20150813.
Contributions of
human cultures to biodiversity and ecosystem conservation. Nature Ecology &
Evolution, p. 1-14, 2024.
As terras ocupadas por comunidades Indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais são consideradas essenciais para a conservação da biodiversidade. Por meio de suas formas tradicionais de uso e ocupação dos territórios, os PI-PCT têm preservado extensões significativas de florestas e savanas tropicais, viabilizando a manutenção dos serviços ecossistêmicos, como regulação climática, ciclo da água, polinização, ciclagem de nutrientes, dentre outros.
As Terras Indígenas também são fundamentais para a manutenção dos estoques de carbono e contribuem decisivamente para as estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Estima-se que as Terras Indígenas demarcadas armazenem cerca de 30% do estoque de carbono da Amazônia.
Polinização da bromélia pelo beija-flor. Foto de José Sabino
Os Povos e Comunidades Tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, possuindo suas formas próprias de organização social (Decreto 6.040/2007). São pelo menos 28 povos e comunidades tradicionais reconhecidos.
Dentre esses povos etnicamente diferenciados estão os indígenas e os quilombolas, cujos dados foram levantados pelo Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A população quilombola do país é de 1.327.802 pessoas, ou 0,65% do total de habitantes do Brasil. O Censo 2022 mostrou que os Territórios Quilombolas oficialmente delimitados abrigam 203.518 pessoas, sendo 167.202 quilombolas, ou 12,6% do total de quilombolas do país, enquanto o demais (87,4%) estão fora desses territórios.
Já para os povos indígenas, o Censo 2022 apontou a presença de 1.693.535 pessoas, representando 0,83% do total de habitantes do Brasil. A população residente nas Terras Indígenas é de 689.202, ou seja, menos da metade da população total. Grande parte dos indígenas do país (44,48%) está concentrada na Região Norte, e 51,2% dessa população está na Amazônia Legal. Os 9 estados da Amazônia Legal brasileira abrigam 98,25% da extensão total de área atribuída às Terras Indígenas no Brasil, representando 23% do total do território amazônico.
O Bioma Cerrado abriga cerca de 216 Terras Indígenas, representando 4,3% do bioma e área total de 8.800 km². Nesse bioma existem mais de 80 etnias, incluindo Ava-Canoeiro, Tapuia, Karajá, Krahô, Xavante, Xerente, Tapirapé, Carajá.
Os territórios e recursos naturais pertencentes a esses povos são necessários “para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovação e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Decreto 6.040/2007).
Povos indígenas. Foto de Carlos Bianchi, licenciada sob CC BY-NC
Mineração. Foto de José Sabino
Apesar da comprovada contribuição dos PI-PCT na manutenção dos ecossistemas naturais, seus territórios têm, historicamente, vivenciado conflitos e disputas com invasores de terras, levando à consequente apropriação ilegal de recursos naturais, mesmo dentro de territórios demarcados.
No Bioma Amazônico existem diversas ameaças impulsionadas por atividades como expansão da pecuária, agricultura de exportação em larga escala (principalmente soja), projetos hidrelétricos, extração ilegal de madeira e mineração. No Cerrado, as paisagens naturalmente planas, estão sendo transformadas pelo uso do agronegócio, impactando sua estabilidade social e ecológica.
As mudanças climáticas, aliadas à transformação do uso da terra, tem ocasionado secas ou estações secas prolongadas, aumento na frequência e na intensidade dos incêndios provocados pelo homem e alterações nos padrões de chuva, diminuindo a capacidade de recuperação dos sistemas naturais. Em 2023, os principais rios amazônicos – Negro, Madeira e Solimões – registraram seus menores níveis de água desde o início dos registros, em 1902. Da mesma forma, no bioma Cerrado os registros de queimada têm aumentado a cada ano, bem como a redução das chuvas.
Fragmentos de Mata. Foto de José Sabino
Esses impactos decorrentes da alteração ambiental e mudanças climáticas comprometem a biodiversidade, os sistemas tradicionais de conhecimento ecológico e os meios de subsistência dos PI-PCT.
Os princípios CARE (da sigla em inglês Collective Benefit, Authority to Control, Responsibility, Ethics) trazem um conjunto de orientações a serem consideradas para que os PI-PCT efetivamente detenham a governança de seus dados. Pressupõe o estabelecimento de diretrizes relacionadas ao uso de dados e do conhecimento tradicional para que, dessa forma, o usuário final saiba previamente as condições associadas ao uso desses dados. Os Princípios CARE foram propostos pelo Global Indigenous Data Alliance visando assegurar os direitos dos povos indígenas de governar os seus próprios dados, de acordo com seus interesses e valores.
Povos indígenas. Foto de Carlos Bianchi, licenciada sob CC BY-NC
Esses Princípios estão relacionados ao benefício coletivo, autoridade para controlar, responsabilidade e ética. Detalham que o uso de dados indígenas deve resultar em benefícios coletivos para os povos indígenas. Além disso, esses princípios ajudam a orientar os pesquisadores a reconhecerem e trabalharem em parcerias colaborativas com as comunidades, nos projetos de pesquisa. Essas parcerias colaborativas agregam valor à pesquisa, integrando-a às experiências comunitárias e intergeracionais.
Figura adaptada do Global Indigenous Data Alliance, 2023
Uma das formas para implementar os Princípios CARE é por meio da utilização de rótulos associados aos conjuntos de dados. O objetivo desses rótulos é facilitar o entendimento sobre as permissões de uso, protocolos e proveniência dos dados. Este recurso é implementado na estrutura de descritores de dados do repositório, de acordo com as definições dos PI-PCT sobre como seus dados devem ser utilizados, apresentados, gerenciados e acessados.
Os Rótulos de Conhecimento Tradicional (TC) são uma iniciativa voltada para comunidades indígenas e organizações locais. Desenvolvidos por meio de parcerias e testes em comunidades indígenas em vários países, os rótulos permitem que as comunidades expressem condições locais e específicas para o compartilhamento e participação em pesquisas, de forma consistente com as regras, governança e protocolos comunitários existentes, além do compartilhamento de conhecimento e dados (LocalContexts.org ).
Fortalecendo a capacidade dos Povos Indígenas e Povos e Comunidades Tradicionais (PI-PCT) nos biomas Amazônia e Cerrado para produzir e gerenciar dados e informações sobre a sociobiodiversidade como estratégia para proteger efetivamente seus territórios, salvaguardar o conhecimento tradicional e promover a gestão integrada da biodiversidade.
As transformações antropogênicas, o uso insustentável da biodiversidade e as mudanças climáticas representam ameaças à biodiversidade e à integridade dos ecossistemas nos Territórios dos Povos Indígenas e Povos e Comunidades Tradicionais (PI-PCT) nos biomas Amazônia e Cerrado. Além disso, a crescente exploração dos recursos genéticos pelas indústrias cosmética, farmacêutica e de perfumaria carece de um sistema abrangente para rastrear o conhecimento tradicional. Finalmente, as lacunas de conhecimento sobre informações da biodiversidade nos territórios dos povos indígenas e das comunidades tradicionais dificultam o acompanhamento do estado e do uso das espécies.
Este Projeto visa fortalecer a capacidade dos PI-PCT de gerir e salvaguardar os seus sistemas de Conhecimento Tradicional como forma de conservar os seus territórios. Ao promover e fortalecer métodos de pesquisa dos PI-PCT e de coleta de dados sobre biodiversidade, tanto quantitativos quanto qualitativos, o Projeto visa produzir benefícios ambientais globais (GEBs), sistematizando dados e informações sobre espécies dos biomas Amazônia e Cerrado para garantir sua conservação e uso sustentável.
Tucumã (Artrocaryum aculeatum). Foto de José Sabino
Benefícios Ambientais Globais:
As atividades propostas envolvem a concepção conjunta de estratégias de pesquisa e produção de dados e informações, compartilhamento de protocolos e fortalecimento dos PI-PCT no uso de tecnologias de compartilhamento e rastreabilidade de dados, realizadas por meio do Sistema de Informação sobre Biodiversidade Brasileira (SiBBr). Esta iniciativa é inovadora e pioneira para proteger, reconhecer, valorizar e sistematizar o conhecimento dos PI-PCT, conservando a biodiversidade e promovendo o seu uso sustentável.
Rezende, Laura V. R.; JUAREZ, Keila E. M., 2024, "Materiais relacionados com o projeto GEF8: Fortalecendo a capacidade dos Povos Indígenas e Povos e Comunidades Tradicionais (PI-PCT) nos biomas Amazônia e Cerrado", Repositório de Dados - Universidade Federal de Goiás, V1. Disponível em: https://dadosdepesquisa.ufg.br/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.82040/UFG/YEQJ7Y
COMPONENTE 1 |
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Entendimentos, acordos e estratégias construídas em conjunto para a governança de dados sobre sociobiodiversidade Resultado 1.1 Estratégias diferenciadas de gênero para coleta de dados e acordos sobre governança de dados da sociobiodiversidade PROTOCOLOS + GOVERNANÇA |
COMPONENTE 2 |
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Identificação, gestão integrada e uso sustentável da biodiversidade Resultado 2.1 PI-PCT usam conhecimentos tradicionais e científicos para avaliar a biodiversidade Resultado 2.2 Capacidades de PI-PCT fortalecidas para uso e conservação PROTOCOLOS + DIAGNÓSTICOS LOCAIS + PLANOS DE USO DAS ESPÉCIES + CADEIAS PRODUTIVAS |
COMPONENTE 3 |
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Gestão do conhecimento com uso de tecnologias da informação Resultado 3.1 Dados e informações abertos sobre biodiversidade estão disponíveis aos PI-PCT e à sociedade Resultado 3.2 Dados e informações com restrições de acesso FERRAMENTAS + PORTAIS + POLÍTICA DADOS + BANCO DE DADOS + COMUNICAÇÃO |
COMPONENTE 4 |
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Monitoramento e avaliação do Projeto Resultado 4.1 Monitoramento e Avaliação das ações e resultados do projeto GOVERNANÇA + MONITORAMENTO |